quarta-feira, 27 de março de 2013

SNS

A nossa Inna chegou escandalizada. Tinha uma consulta para as 10:30 e foi atendida, imagine-se,  já passava da uma da tarde. Lá na Ucrânia as coisas não funcionam assim, nem pensar. Lá vai-se de manhã ao centro de saúde, tira-se uma senha para a especialidade pretendida e daí a pouco tempo estão a chamar pelo nosso nome. Claro que na Ucrânia faltam muitas outras coisas, mas o Estado, essa entidade omnipresente herdada da velha URSS, mantém-se previdente, o seu longo braço a zelar pelos cidadãos. Não há empregos, é verdade, os que há são muito mal pagos e no Inverno o frio é tanto e o gás russo é tão caro, que às vezes é preciso escolher entre encher o estômago ou aquecer o corpinho. Cá pelo contrário temos um clima que é uma maravilha e o nosso gás vem da Argélia. Só há a parte do desemprego e dos baixos salários, que aí estamos cada vez mais parecidos com a Ucrânia. Já na parte do serviço nacional de saúde, afastamo-nos progressivamente. E um dia destes, em vez de uma manhã, a nossa Inna - tal como toda a gente que não tenha um seguro de saúde - vai ter de esperar várias manhãs. Como agora já é preciso esperar meses por uma consulta para o Pedrinho, que tem de ir fazer uns testes às alergias. O nosso SNS está a ir por aí abaixo. E o que mais me assusta é que quem está a tomar as decisões certamente nunca sentou o rabinho na urgência do São José nem nunca levou as crianças a meio da noite à urgência da Estefânia. Quem está a tomar as decisões não faz a menor ideia daquilo em que este país se está a tornar, porque só põe o pé na realidade quando vai em visita oficial e, mesmo aí, devidamente rodeado de protecções, não vá alguém lembrar-se de cantar a Grândola.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Gordinha, eu?

Pedrinho, muito sério, senta-se no meu colo e comenta: Mamã, barriga grande? Grande nada, digo, na esperança que o assunto fique por ali. Mas ele insiste. Sim, barriga grande. E depois, com um ar preocupadissimo, faz a pergunta: Bebé?
Garanto-lhe que não, que o meu único bebé é ele, e depois tomo a decisão que se impõe: no próximo Verão vou comprar, pela primeira vez na vida, um elegantérrimo fato de banho, daqueles de peça única que, aliás, até estão imenso na moda.

terça-feira, 19 de março de 2013

O meu pai

Foi o meu pai que veio comigo. Eu tinha 17 anos, vinha para a faculdade aprender a ser advogada e mudava-me da minha pequena vila alentejano para uma cidade onde poucas vezes tinha estado e onde não conhecia ninguém. O meu pai veio comigo, alugámos um quarto em casa de uma respeitável senhora viúva (felizmente não havia vagas no lar de freiras), eu fiquei e o meu pai voltou. Voltou mas todos os dias me ligava, religiosamente, às oito e meia da manhã, quando chegava ao trabalho. Nessa altura não havia telemóveis e ainda não havia telefone fixo em nossa casa, por isso o meu pai era o meu elo de ligação à família e ao meu Alentejo. Às vezes atendia o telefone bêbeda de sono só para lhe dizer que estava bem e o ouvir dizer que estava tudo bem, e sabia que ele estava lá. Que eles estavam lá.
E de facto o meu pai esteve sempre lá, mesmo nunca falando muito, que ele nunca foi homem de muitas palavras. A minha mãe é a mais presente, é o carinho e a ternura, mas o meu pai é a força. A protecção que nunca me falha quando eu preciso. Que me mandou para a universidade, que me ajudou a comprar a minha primeira casa, que se zangou comigo quando me lembrei de comprar um carro sem sequer o avisar. Que me passou a mão pela cabeça quando tive o meu primeiro grande desgosto amoroso e, mesmo sem dizer nada, chamou todos os nomes ao meu ex.
O meu pai envelheceu, como todos os pais, como eu também envelheci, mas quase me espanto quando penso nisso, porque, para mim, ele continua a ser o meu pai da minha adolescência, que cheira a Old Spice e a sabonete Nívea, que vibrou quando a sua filha foi ser uma advogada (mal sabia ele...), e quando nasceu a sua neta, e quando conheceu o seu neto. 
O meu pai é ainda e sempre a minha força, ou não tivesse eu herdado dele a casmurrice. Zangamo-nos muitas vezes, discordamos de muitas coisas, eu acho que sei sempre tudo e ele também, mas gostamos tanto, tanto um do outro.  Ele nunca me disse isso, mas eu sei.

Um Papa com gente dentro?


Já passaram alguns dias desde que saiu fumo branco da chaminé da capela Sistina, mas Pedrinho ainda não se esqueceu e mal vê na televisão a imagem do novo Papa Francisco a aparecer à janela do Vaticano, lá vem ele chamar-me a correr para ver o Papa, que por acaso é uma das palavras que ele diz mais perfeitinhas. Eu por mim também estou fã deste Papa, que termina a missa de Domingo a desejar bom almoço às pessoas, que recusou o papamóvel para ir de minibus com os amigos bispos, que mantém os seus já usados sapatos pretos em vez dos pavorosos sapatos vermelhos que o protocolo manda pôr, e que dá beijinhos em público a uma espantada Cristina Kirchner, que sai da primeira audiência do novo chefe da Igreja a anunciar que nunca um Papa a tinha beijado. Pequenas coisas, é certo, mas nada que alguma vez se tivesse visto no seu antecessor. E talvez nem mesmo em João Paulo II, que foi sempre o sumo pontífice da minha predilecção. Desta vez, parece que temos um Papa com gente dentro, embora ainda lhe falte mostrar ao que vem e, é certo, tenha uma ou outra coisa no currículo que bem se podia ter evitado.
Aos jornalistas, no seu primeiro encontro com a comunicação social, disse: "Para o vosso trabalho são precisos estudos, sensibilidade, experiência, como em tantas outras profissões,mas é precisa uma grande atenção à verdade, à bondade e à beleza, e nisto estamos próximos porque também a Igreja existe para comunicar a verdade, a bondade e a beleza.”
É mais ou menos isto, embora esteja longe de ser só isto.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Festa de anos

Pedrinho saiu a choramingar, porque a Manena nã vinha emboia. Papá não choramingava, mas, com um ar ligeiramente angustiado, olhava para trás e lamentava-se que a casava ficava lá muito alto. E ficava, de facto. Era um quarto andar, sem elevador, e tínhamos acabado de lá deixar a dona Princesa para a sua primeira festa de anos sem papá nem mamã, sozinha com as amigas. Uma emoção muito grande, o evento preparado com muita antecedência, a roupa escolhida ao milímetro logo de manhã cedo, mal saltou da cama. Afinal, não é todos os dias que a melhor amiga faz anos e o grau de tensão era elevado. Voltou para casa no estado que se pode ver aqui ao lado, sem se rir para que a pintura não saísse, sem falar, não fosse a cara esborratar, cansada, mas feliz com o seu dia de menina crescida que começa a ganhar asas e voar.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Dêem-me um raio de sol, por favor

Estou farta do Inverno. Do frio, da chuva, de miúdos que dormem destapados e acordam ranhosos e cheios de tosse. De ir para a Estefânia a meio da noite porque um deles não consegue respirar bem e se contorce com dores de barriga (não sabia, mas uma coisa pode ser consequência da outra). Estou farta de botas, de chapéus de chuva, de me preocupar porque são cinco da tarde, está uma tempestade lá fora e não sei como é que eles vão conseguir chegar a casa sem ficarem num pingo.
Dêem-me um raio de sol, por favor. Um daqueles à séria, porque dos outros (momento piroso do dia) já tenho dois lá em casa que iluminam a minha vida.