sábado, 30 de agosto de 2014

O dia em que o bisavô saiu no jornal

No jornal Público
A propósito do centenário do início da Primeira Grande Guerra, o jornal Público tem feito um trabalho muito interessante de análise histórica do que aconteceu nos anos de 1914-1918. Uma das rubricas diárias chama-se Memórias de Família e conta pequenas histórias de soldados que fizerem a guerra e que continuam a ser lembrados pelas suas famílias.

A história de hoje é a do Avô Aniceto, Bisavô da Madalena e do Pedro, que nasceu há 120 anos, esteve na guerra da Flandres, foi feito prisioneiro pelos alemães e voltou ao seu monte alentejano quando já todos o davam como morto.
Fica aqui, para que os seus bisnetos também o recordem sempre:


As histórias do avô prisioneiro de guerra

Muitos anos depois de ter voltado, Aniceto José gostava de se sentar no canto da chaminé, na sua casa do monte alentejano, a beber chá e a contar histórias aos netos. Sabia muitas, e por vezes contava-nos também coisas do tempo da Grande Guerra. De como o frio apertava nas trincheiras e os soldados comiam sopa aguada dentro dos capacetes que usavam na cabeça. E dos alemães, que o fizeram prisioneiro na batalha de La Lys e que, no fim de contas, assim lhe salvaram a vida. Era o herói da família, este avô que nunca matou ninguém porque lhe deram a tarefa de maqueiro e que a família deu como morto, mas que conseguiu regressar são e salvo da maior aventura da sua vida.

Aniceto José nasceu em 1895 na aldeia da Trindade, entre Beja e Castro Verde, no coração do Alentejo. Era ainda adolescente quando lhe morreu o pai e habituou-se desde cedo a trabalhar na lavoura e a cuidar da mãe e das cinco irmãs. Tinha 20 anos quando foi chamado a fazer a tropa e 22 quando, num dia que nós imaginamos cinzento e chuvoso, partiu do monte da Caxia, onde então vivia, para o comboio que o haveria de levar a Lisboa para embarcar para a Flandres.

A partida esteve longe de ser pacífica. Houve quem desertasse e quem simplesmente lhe desse para andar pela cidade, onde, quase de certeza, a maioria nunca tinha estado. O avô contava que muitos embarcaram à força, “por ordem do Sidónio Pais, que os vendeu a todos aos ingleses por uma libra por cabeça”. Não era homem de ligar muito à política, mas do Sidónio Pais nunca gostou.

Os recrutas de Beja integraram o Regimento de Infantaria 17 do corpo Expedicionário Português (CEP), que embarcou para França a 21 de Agosto de 1917. Ninguém sabia muito bem o que iria encontrar, mas era certo que não seria bom e o avô Aniceto haveria de levar o coração na boca. Mesmo aos netos, que o consideravam um herói, reconheceu muitas vezes o medo que teve, que todos tinham, escondidos nas trincheiras à espera dos bombardeamentos alemães. Nunca matou ninguém, mas viu a morte de frente tantas vezes, que lhes perdeu a conta, porque, como maqueiro, tinha de recolher do campo de batalha os mortos e os feridos. Disso não gostava muito de falar. Preferia contar coisas sobre os alemães, que o fizeram prisioneiro a 9 de Abril de 1918, na histórica batalha de La Lys.

Esteve oito meses em Wesel, junto à fronteira com a Holanda onde, nas margens do Reno, ficava o campo de prisioneiros de guerra de Friedrichsfeld. Desse tempo sobreviveu um postal, enviado à mãe, Joaquina Maria: “Minha querida mãe, muito lhe desejo a sua saúde e bem e assim como as minhas manas e meus sobrinhos e toda a nossa família que me pertence, que este seu filho goza saúde. Minha mãe, peço que me diga as novidades. Sem mais, abrace muito as minhas manas e recomende a toda a nossa vizinhança. Aniceto José”

Aprendeu a ler na tropa, mas pedia a alguém que lhe escrevesse as cartas. E foi isso que deu origem a uma grande confusão, que levaria a família a dá-lo como morto: num outro postal que chegou ao Alentejo, lia-se que ele estava “na companhia do padrinho”, que também tinha ido para a guerra. Acontece que, pouco tempo antes, chegara a notícia de que o padrinho tinha morrido, pelo que a família pensou que aquela era uma forma de os colegas contornarem a censura que se fazia à correspondência dos prisioneiros e assim lhe dizerem que ele estava morto.

Aniceto regressou a Portugal a 18 de Janeiro de 1919, poucos dias depois de fazer 24 anos. Pediu a um compadre que fosse à frente, dar a notícia à mãe e às irmãs e assim evitar comoções, mas entre nós, os netos, imaginávamo-lo a chegar ao monte em apoteose, com as manas ainda de luto, a abraçá-lo e a desmaiarem de emoção.  

Voltou à sua vida de lavrador, casou com Bárbara da Lança Palma e tiveram seis filhos, 10 netos, 13 bisnetos e quatro trisnetos. Morreu tranquilamente, durante o sono, aos 88 anos.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Verdade ou consequência?

Em casa dos primos do Algarve, já metidos na cama, mas a lutarem contra o sono.

Pedro para o Ricardo: verdade ou consequência? Verdade. E o Pedrinho, inpiradossimo: É verdade que tu gostas da Madalena? Naooooo!!! Então vais ter de dar um beijinho no rabo da tua irmã. Aiiiii. Aqui já era a pobre da Ana, que, em desespero, tentava dormir, enquanto os outros três, Pedro, Ricardo e Madalena, prosseguiam imparáveis. Era quase uma da manhã quando, finalmente, adormeceram.

Eu jogava a estas coisas nas férias, mas tinha aí uns 12 ou 13 anos. Estes miúdos estão a começar um bocadinho cedo, não estão?

domingo, 17 de agosto de 2014

"Mãe, porque é que os 'senhores do vento' nunca mais chegam?"

E no primeiro dia de férias, auto-estrada do Sul, já no Alentejo, e pimpa, um furo. Assim, sem mais nem menos, um barulho que parecia um helicóptero a sobrevoar a viatura, toca de encostar à berma, e lá estava o pneu em baixo.
Vá de tirar toda a gente do carro e subir para o talude - coisa que, até esse dia, eu nem sabia que existia -, Pedrinho em choro, porque ia a dormir descansado da vida e o obrigaram a sair da sua cadeira, e nós os quatro ali, enquanto os carros passavam a 200 à hora e faziam estremecer tudo.
Para ajudar à festa, foi preciso chamar os senhores do seguro, porque faltava uma coisa simpática chamada porca de segurança, essencial para mudar o pneu e que os senhores da última garagem onde fomos resolveram guardar para si, vá-se lá saber porquê. Enquanto esperávamos pelo reboque, resolvemos chamar também os senhores da Brisa, para nos virem sinalizar o carro, benditos telemóveis com internet que nos dão estas informações todas.
E foi assim que assistimos ao pôr-do-sol na auto-estrada do Sul, sentados numa valeta, embrulhados nas toalhas de praia que era o que havia ali mais à mão para enganar o frio da bela noite de Agosto. E entretanto, nada de aparecer ninguém.
Madalena contou estrelas, quis saber qual era a do Zorbas e as das outras pessoas da família já transformadas em estrelinhas. Pedrinho choramingou e comeu bolachas. Mamã e papá, silenciosamente, chamaram vários nomes aos senhores da garagem onde fomos no ano passado, aos senhores do reboque que demoraram uma hora a vir e aos "senhores do vento", como dizia a Mada, que também demoraram mais de meia hora a dar o ar da sua graça.
O resto da viagem fez-se no reboque, o carro atrás e nós à frente, meninos no colo dos pais - "podem esperar por um táxi, mas ficamos aqui todos mais uma hora", avisou o moço do reboque, natural de Grândola -, com cintos de segurança que teimavam em não funcionar - "não vale a pena, que nós já vamos à multa de qualquer maneira" - e com um condutor que segurava o volante com os cotovelos enquanto ligava para meio mundo através dos seus dois telemóveis. Nunca ultrapassou os 80 quilómetros, vá lá, e, de castigo, ouviu o Pedro cantar o repertório completo da "Galinha Pintadinha". Comigo a ajudar.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Pedrinho, o despachado

A Tamara foi para a Ucrânia e decidimos mandar alguns brinquedos para a neta pequenina. A ideia foi boa, a concretização difícil. Pedrinho e Madalena aceitaram de bom grado, mas depois descobriam, repentinamente, que todas as sugestões que eu dava não podiam ser, porque eram, precisamente, os seus brinquedos favoritos. Mada lá desencantou um peluche, mas o Pedro não se conformava. Até que encontrou a solução ideal: levantou-se a correr e foi buscar o Noddy. O Noddy? Sim. Mas tu gostas tanto no Noddy. Gosto, mas tenho dois. E lá foi, feliz, à vidinha dele.

P.S Já não se aguenta com tanto boneco e peluche e carrinho e avião e winx, e sininho e afins, mais os jogos e os livros e os legos, que são a paixão do momento. Andamos há que tempos a arranjar coragem para deitar mãos à obra, mas não tem sido fácil. Destas férias não passa, fica aqui registado, para toda a gente saber.