terça-feira, 27 de março de 2012

Madalena tagarela


Os meus boletins escolares na primária – que ainda estão muito bem guardados lá no Alentejo – eram lindos, lindos, cheios de muito bons e excelentes e tudo, mas no fim vinha sempre um pequeno reparo, que invariavelmente ofuscava as boas notas: “ A aluna é muito faladora e distrai os colegas”. E pronto, lá apanhava eu mais uma descompostura da minha mãe, ao mesmo tempo que procurava disfarçar o orgulho na filha.

Claro que eu reclamava, mas, vista a coisa agora à distância, se calhar era mesmo um bocadito tagarela. E, se calhar, já que o pai é tudo menos falador, a Madalena herdou o meu gene da tagarelice. Deve ter herdado mesmo e de tal forma que, (quase) aos quatro anos, ninguém a pára. A rapariga tem sempre qualquer coisa para dizer, para comentar, para perguntar, para anunciar, e só se cala quando está a ver alguma coisa que gosta na televisão. Mesmo quando está a brincar sozinha, continua a dar à tramela, inventa histórias, inventa diálogos entre as bonecas e as gatinha e até entre os carros do Pedro, se por acaso estiver a brincar com eles. E também fala com o irmão, quando ele está de maré e a deixa chefiar a brincadeira.

Fala, mas fala bem. Sem grandes erros de gramática, tirando um verbo ou outro, que, como toda a gente sabe, os verbos portugueses são quase tão complicados como os franceses. Às vezes fico muito sossegada, em silêncio, só a ouvi-la, e nesses momentos os meus dias melhoram sempre um bocadinho.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pedrinho o hipocondríaco

Há uma canção do Vitorino que diz que "todos os homens são maricas quando estão com gripe". Confirma-se. Mesmo homenzinhos pequeninos, acabados de fazer dois anos. Tenho um lá em casa que passa a vida a exigir beijinhos para dói-dóis quase sempre imaginários e que se delicia quando é preciso tomar algum remédio, ainda que seja o antibiótico mais mal cheiroso do mercado farmacêutico. Ontem dei-lhe charope para a tosse e, como recusei duplicar a dose, mandou-me esperar sentadinha no sofá e regressou daí a pouco trazendo a bolsa onde guardamos o remédio para a febre. Não resultou, com grande pena do meu pequeno hipocondríaco, mas foi um aviso para darmos sumiço aos frascos. À noite passou o tempo a queixar-se do nariz entupido e a família só conseguiu dormir descansada quando me rendi às evidências e me mudei para a cama dele.

terça-feira, 20 de março de 2012

Momento literário


Há uns anos o António Henriques ofereceu-me um livro. Foi uma prenda de aniversário inesperada, porque não tínhamos o hábito de oferecer presentes um ao outro, mas ele tinha acabado de ler o livro e estava tão entusiasmado que lhe deve ter apetecido partilhá-lo. Era uma história qualquer passada no antigo Oeste, uma escrita tão densa que não passei das primeiras duas páginas e arrumei o livro na estante.
Há uns dias recuperei-o quando, ao acaso, procurava qualquer coisa de novo para ler, e vou neste momento na página 72. Eu, que normalmente adormeço ao fim de dois parágrafos, estou a conseguir ler várias páginas antes de me render ao cansaço; leio no metro e quase me esqueço de sair na paragem; leio na mesa à hora do almoço e vou lá para fora apanhar sol e ler enquanto os outros vão ao café.
Estou deslumbrada com o livro e com a escrita do livro como há muito não me acontecia. Chama-se Meridiano de Sangue e o autor é Carmac McCarthy, um senhor que já ganhou um Pulitzer e que há quem diga que é o maior escritor americano vivo. Eu, que nem gosto muito de histórias do velho Oeste, muito menos cheias de violência, estou tentada em concordar.



Balanço da noite

Pedrinho destruiu várias vezes a casinha que a Mada fez para a gatinha com as almofadas do sofá.
Mada bateu no pedrinho, coisa que muito raramente acontece.
Pedrinho destruiu tudo novamente e fugiu com a gatinha.
Mada chorou furiosamente
Mamã arrastou os dois para a casa de banho para lavarem as mãos.
Em vez de ir para a mesa, Mada regressou para o sofá para brincar com o iphone.
Pedrinho fez uma birra descomunal enquanto a Mamã tentava falar com o director que lhe ligou para tirar uma dúvida.
Mamã, à beira de uma fúria, controlou-se e conseguiu arrastar os dois para a mesa.
Pedrinho, ainda furioso, atirou com uma garrafa à cabeça da mana e foi de castigo para o sofá.
A mana comeu a sopa com os berros como música de fundo.
Pedrinho recusou sentar-se na sua cadeirinha e jantou no colo da mãe.
Mada voltou para o sofá e para o iphone.
Pedrinho, desobediente, decidiu abrir e fechar a máquina de lavar loiça, destruindo tudo o que estava lá dentro.
Mamã deu-lhe uma palmada no rabo e a seguir ficou a roer-se de desgosto e arrependimento.
Pedro chorou, ofendidíssimo, e quis colo novamente.
Várias peripécias depois, lá lavaram os dentes e rumaram ao quarto, onde Mada insistiu em pôr as suas asas de fada e Pedrinho também quis, apesar de só haver um par.
Deixei cada um na sua cama e anunciei que ia dormir.
Não me ligaram nenhuma e neste momento estão os dois, muito amiguinhos, a cantar a música dos "sete cabritinhos" o mais alto que são capazes.

Entretanto o papá, que foi ao futebol, chegou a casa: o Benfica ganhou ao Porto por 3-2.



segunda-feira, 12 de março de 2012

Penteado novo

Está um menino, o meu bebé grande. Não se dá muito por isso porque insiste em se manter em silêncio, que é como quem diz, em não falar, porque lá silencioso é coisa que ele não é, sobretudo quando discute com a mana. Mas, dizia eu, está um menino crescido, que percebe tudo o que se lhe diz e sabe muito bem o que quer. Ontem, depois do banho, perguntei-lhe se queria fazer um penteado novo. Queria, sim, queria, acenou-me com a cabeça. E lá se sentou, muito direito, enquanto a mamã, de tesoura em punho, lhe cortava o cabelo. De vez em quando apontava para um sitio qualquer, onde queria que eu cortasse mais, punha a cabeça mais para baixo ou mais para cima, consoante era preciso e no final, muito orgulhoso, foi mostrar à mana o seu novo look. Dona Madalena, chateada porque a televisão se tinha desligado, respondeu, antipática, que não estava nada giro, mas o rapaz ficou de facto lindo, a provar que a mamã – modéstia à parte - é uma excelente cabeleireira.
No entanto, feita esta experiência que tão bem correu, parece estar mesmo na hora de Pedrinho ir ao barbeiro com o papá.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mada a advogada

Ainda não se tinha sentado à mesa para jantar e já estava a avisar que hoje tinha comido maçã ao almoço e que quando se come ao almoço não se come também ao jantar, um argumento que usa com frequência quando o menu não lhe agrada.
Como se recusa sempre a comer fruta, anunciando que "amanhã é que come", desta vez fizemos um contrato, devidamente assinado pelas duas. Ora, como toda a gente sabe, um contrato é para se cumprir, a menos que... a menos que tenhamos argumentos suficientes para o denunciar. E dona princesa esmerou-se. O argumento inicial não foi aceite, por isso passou a outra frente de ataque: o papel não tinha escrito que era à noite que ela tinha de comer a maçã. E ao almoço já tinha comido, portanto a coisa estava feita. Argumentação de peso, é verdade, que deixou mãe e pai cheios de orgulho já a antever para a filha um brilhante futuro como advogada, mas que, ainda assim, não a salvou do inevitável. Comeu, a contragosto e no colo da mãe, mas contratos são para se cumprir e não há nada a fazer.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Winx

Domingo, onze da manhã. Saímos de casa já atrasadas, apanhamos o Metro e corremos até ao Coliseu, fintando pelo caminho vendedores que ofereciam a pais desprevenidos toda uma parafrenália em cor-de-rosa com balões e cachecóis e winx por todo o lado. Já com cinco minutos de atraso, sentámo-nos, finalmente, nos nossos lugares na plateia, muito centrais, perto qb do palco que o papá pensa em tudo.
Os bilhetes foram prenda dele para a princesa. Para ela, a dois meses de fazer quatro anos, foi o primeiro concerto do resto da sua vida. Para mim, que ultimamente não tenho saído muito, foi um dos poucos concertos dos últimos quatro anos.
E divertimo-nos as duas. Ela começou por detestar, porque estava escuro e os "feiticeiros do circulo negro" ameaçavam aparecer, mas no fim já dançava furiosamente no corredor. O programa, só com mãe e filha, prosseguiu com um almoço no McDonald's - escolha dela, naturalmente - e uma espreitadela a algumas lojas da Baixa. Um Domingo memorável, portanto, este em que fomos ao concerto das Winx no Coliseu.