terça-feira, 31 de agosto de 2010

Regresso

Ao fim de quase oito meses em casa, entregue às delícias da maternidade e da dondoquice, houve um momento em que soube que estava na hora de voltar ao trabalho. Não foi nenhum ataque de saudades, nenhum súbito desejo de voltar a escrever, nenhuma inesperada angústia pré-regresso. Nada disso. O que me fez dar o clique foi, muito simplesmente, um programa de televisão. Foi, mais exactamente, esse portento da comunicação chamado Julia Pinheiro, que pariu uma coisa chamada As Tardes da Júlia. Ora estava eu a fazer um pequeno zapping, a seguir à minha novela favorita - sim, que eu de vez em quando via o Poder Paralelo a seguir ao almoço, talvez a pior novela brasileira de que me recordo - quando deparo com um senhor, convidado especial das Tardes da Julia, embrenhado numa brilhante exposição sobre fezes. Exactamente. Estive aqui a pensar numa palavra alternativa, mas não me ocorre nenhuma, porque o objecto da exposição eram mesmo as ditas. E lá estavam exemplos, primorosamente moldados em barro, exibidos à medida que o especialista explicava às embasbacadas senhoras da assistência quais as formas e consistências mais adequadas para um dia feliz e sem necessidade de laxantes. Foi aqui que eu mudei de canal e disse a mim própria que estava na altura de voltar, que as Tardes da Júlia não são para mim. Nem as manhãs do Goucha, nem o Verão Total, nem toda a restante catrefada de lixo televisivo com que nos bomabardeiam as nossas televisões. E pronto, foi assim. Voltei ao trabalho esta semana e estou novamente confinada à Fox e ao AXN e à RTP memória e mesmo assim só à noite, já depois das dez, quando finalmente consigo pôr os rebentos a dormir. Foi um bom regresso, apesar de tudo. Já estava com saudades e agora o meu único problema é não ligar de dez em dez miutos para casa a perguntar à Inna se está tudo bem com o Pedro.

domingo, 29 de agosto de 2010

Breves de dona princesa (a que só os pais acham piada)

Sopa é lá coisa que se coma?

À custa de muita conversa para a distrair, lá consigo que coma o prato de sopa todo, apesar dos protestos periódicos de "nã quéio sopinha, mamã". "Que bom, Madalena, comeste tudo, agora vou buscar o resto", digo-lhe. "Sim, mamã, a comida. Quéio comida."

Doutores e bruxos, é tudo a mesma coisa

Logo depois de mais uma ida à bruxa horrivel - para leitores menos informados, trata-se da pediatra dela -, estava a ver televisão com o pai quando aparece o Pinto da Costa. Seguindo os conselhos dos melhores manuais de pedagogia infantil, o progenitor tratou de a informar que aquele senhor é muito mau, é um bruxo. Resposta imediata da pequena: é um doutor, papá.

O seu desejo é uma ordem, menina

Passamos pela loja da Chicco do Saldanha, onde ela nunca tinha entrado, mas pôs o pé lá dentro percebeu logo onde estava e foi à procura dos balões que costuma haver na Chicco para oferecer às crianças. Foi a primeira chatice porque, logo por azer, naquela não havia. Depois tomou-se de amores por cavalinho de baloiço e foi uma carga de trabalhos para a convencer a vir embora sem ele. Já em desespero disse-lhe para pedir à avó que talvez ela lhe comprasse um. Voltámos para casa e não se falou mais no assunto até que, muito mais tarde, ela me apanhou ao telefone com a minha mãe. Muito despachada tirou-me o auscultador e anunciou "quéio cavalinho, vovó". Depois foi brincar novamente, que, como ela sabe muito bem, os seus desejos são ordens.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Seis meses

E vão seis. Seis meses à velocidade da luz e um rapaz já tão diferente do bebé que saiu da barriga da mãe. Olhos grandes, quase pretos, arregalados para o mundo, sorriso sempre aberto, choro pronto a sair se tem fome ou se quer dormir. É assim o nosso Pedro. Muito bom feitio, charme a disparar para todos os lados e um moço que acha que dormir é um desperdício de tempo. Aliás, a mim parece-me que algures nos primeiros minutos em que se apanhou cá fora engoliu um despertador e nunca mais se apartou dele, porque mais certinho do que isto é impossível: de três em três horas pede maminha e pouco lhe interessa se são três da tarde ou três da madrugada. Nestes seis meses, só por uma vez dormiu sete horas seguidas (um verdadeiro milagre) e talvez tenha havido uma ou outra em que se manteve sossegadinho durante cinco horas. Acorda, mama e volta a dormir. Já eu acordo, dou-lhe mama, deito-me, levanto-me novamente para ver a Madalena que acordou, pego nela, que não quer ficar na cama, vou ao frigorífico buscar leite, levo-a de volta para a cama, adormeço enquanto lhe dou o biberon e acordo novamente três horas depois, quando ao senhor Pedro lhe volta a dar a fomeca. E só não é assim todas as noites, porque a mana continua a dormir bem e até nem são muitas as vezes em que lhe dá a espertina. Já li e reli o que diz o guru Brazelton sobre o assunto e ao que parece não me resta muito mais a fazer do que esperar. E ir babando com as gracinhas do rapaz, para não pensar muito no pormenor sem importância das noites mal dormidas.

domingo, 22 de agosto de 2010

Primos


A mais velha tem 14 anos, a mais nova vai ainda a caminho dos três meses. São todos giros que se farta, os seis primos. Para a Madalena, o encontro na Várzea foi um dos grandes acontecimentos do Verão. Obrigada, Ana, pela nova brincadeira que lhe ensinaste. Agora passa a vida a perguntar "que quéi, mamã?", qual verdadeira dona de um restaurante a impingir comida aos clientes. Um dia destes já tinha esgotado todo e qualquer imaginário menu e dei por mim a pedir uma sandes de courato. Felizmente não tinha.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

91 centímetros de gente

É uma brincadeira cá de casa: gritamos "abraço de família" e eu e o pai ao mesmo tempo estrafegamos os miúdos. Ela ri-se imenso, ele encolhe-se todo e nós babamos de orgulho e pronto, ficamos todos felizes. Hoje repetimos a gracinha, mas sem o Pedro, que já estava a dormir, e ela, muito rápida, tratou de nos informar que faltava o mano e que portanto não era um abraço de família completo. E nós, mais uma vez, reluzimos de orgulho com este pedacinho de gente - doze quilos e 91 centímetros, medidos hoje na médica -, um cérebro que é uma esponja, a quem não escapa nada. Não a levávamos à bruxa horrível há seis meses e desta vez explicámos-lhe previamente ao que ia. Começou a choramingar ainda antes de entrarmos no prédio e depois, como de costume, berrou durante todo o tempo. É um estilo que vem desde a primeira consulta e há que mantê-lo, apesar de estar uma menina crescida, que já fala que se farta - um bocado trapalhona, mas isso são pormenores - entende tudo o que lhe dizemos, conta até dez e come sozinha sem deixar cair (quase) nada. Só se mantem ainda muito ligada às fraldas, apesar de ontem ter ficado sentada no bacio, de livro na mão, durante uns bons 15 minutos. Não saiu uma gotinha que fosse e quando se fartou levantou-se muito despachada, lavou os dentes e foi para a cama grande, onde adormece sozinha e toda orgulhos de si própria. Como foi que ela cresceu tão depressa?

Sopinha? não obrigado.

A mamã que coma e é se quiser, que ele a bem dizer não lhe apetece, obrigado. Eu é mais maminha, responde, todo sorridente, como se pudesse mesmo falar e depois de me ter boicotado toda e qualquer tentativa de lhe enfiar uma colher de sopa pela goela abaixo. É que não entra nada. Cerra os lábios com toda a força, como fazia com o antibiótico da bronquite, mas a diferença é que eu desta vez não posso insistir, para não correr o risco de ele ganhar aversão à coisa. É desesperante. Mas normal, assegura a médica, que insiste em que eu é que já não me lembro, mas a Madalena há-de ter feito o mesmo. Se calhar fez, mas desta vez estou um bocadinho mais ansiosa, porque se aproxima a grande velocidade o dia do regresso ao trabalho, em que o rapaz deixará de ter as maminhas da mãe à disposição à hora a que bem lhe apeteça.
Hoje fomos à médica e o nosso homem portou-se à altura e só refilou quando ela lhe quis espreitar a garganta, provavelmente a precaver a chegada de uma eventual colher de sopa. Com o calendário a marcar seis meses daqui a uma semana, pesa 7,420 kg e mede 67,5 cm. Tudo à conta da vaquinha mimosa e um quilo mais do que a mana quando tinha a mesma idade (ela, no entanto, ganhava-lhe em altura, com um centímetro a mais).

Tão iguais e tão diferentes. Os mesmo olhos abertos para o mundo, grandes de espanto com tudo e com todos. Ele sempre sorridente, ela sempre séria. Lindos os dois.

domingo, 15 de agosto de 2010

Benfica

Grande. Foi o que me disse quando chegou a casa, cheia de sono, mas demasiado excitada para ir directamente para a cama. Foi o último dia de férias e foi, também, o dia do seu primeiro jogo de futebol na Luz. Foi à má-fila, porque só deixam entrar crianças com mais de três anos - o pai mentiu descaradamente ao segurança - e aguentou-se uma hora e meia sem reclamar. Voltou muito vaidosa, de cachecol do Quenquica, e a anunciar que tinha comido um pacote de batatas fritas, que tinha visto a águia vitória e que os senhores gritavam muito. Foi o primeiro jogo da temporada e, diz o pai, um Benfica-Académica, tal como o avô António teria gostado. Não ganhámos, mas não faz mal. O que ficará na memória de princesa há-de ser o estádio grande, grande, visto da sua perspectiva de menina de dois anos.

Bronquítico

Primeira febre, primeira ida ao centro de saúde (em pleno Alentejo), primeiro raio-x, primeiro antibiótico, primeira ida à Estefânia, primeira bronquite. E tudo isto em plenas férias. Um mix que se saldou em várias noites sem dormir - ou a acordar de duas em duas horas, o que dá no mesmo. Não sei onde nem como é que o rapaz apanhou esta porcaria, mas apanhou e bem, com uma profusão de ranho nunca vista, febre que voltava de oito em oito horas e dificuldades em respirar. E eu sentada na cama, a olhar para ele, a verificar os altos e baixos da respiração, para me certificar que tudo estava bem e, quando a coisa ficava mais negra, a desentupir o belo do nariz, com o único método eficaz para quem tem cinco meses e que me abstenho aqui de descrever (só digo que implica aspirar ranho por um tubinho). Foi bom, portanto. Enquanto o pai e a mana rumavam à piscina para se livrarem dos 40º à sombra que estavam em Castro Verde, mamã e Pedrinho ficavam em casa, de janelas fechadas para impedir a esturreira de entrar. E o pior é que nem dava para ler ou mesmo para brincar, porque os humores do pequeno, como facilmente se percebe, não estavam lá grande coisa. E assim se passaram os primeiros oito dias de férias. Menos mal, já que andava tão cansada que apesar de me vingar na comida maravilhosa da minha mãe, acabei por não engordar novamente.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Os erres

Dona princesa fala pelos cotovelos. Canta pelos cantos. Conta histórias aos bonecos. Lê livros ao mano. Quando não sabe inventa, mas lá atrapalhar-se, isso é que não. Há palavras que lhe saem muito perfeitinhas, mas na maioria dos casos é um bocado trapalhona e só a mãe e o pai é que a percebem (quase) sempre. Uma das grandes dificuldades são os érres, que lhe saem em forma de g ou então desaparecem mesmo - os livros, por exemplo, são uios e Rui sai sempre Gui. Ou saía, porque o próprio Rui tratou de lhe ensinar a dizer o nome na maior das correcções. A referência foi ... o ressonar do papá. Isso mesmo. Madalena, como é que o papá ressona? rrrrrrrrrrrrrrrrr, responde ela. Agora diz rrrrrrrrrrrrrrrrui. E ela, muito airosa, repete, um érre muito puxadinho e enroladinho, um Rui muito perfeito e um tio a inchar de orgulho. Qualquer dia está a dizer que o rato roeu a rolha da garrafa do rei da rua da rússia.